sábado, 18 de dezembro de 2010

Você não me engana. Eu que me engano, o que nem é mole nem é duro.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010


Pedi pra você me esperar só mais um pouquinho, e você não quis, não quis. Pedi de novo e você riu de mim, você riu inteiro por mim. E eu que pedia pequenos minutos, parecia tão pequena quanto eles. Você cresceu em pouco tempo, meu amigo. Se abrisse a boca me engolia no seu tamanhão, mas não fez isso pra não ter que me ter dentro de você e depois se dar ao trabalho de vomitar. Não é de hoje que eu arranho sua garganta, mas disso eu não sabia. Mal pude imaginar. E num apertão de tempo lá vem você com dois metros de altura e sangue fresco na boca. Você não quis me esperar um pouquinho, e eu não entendi e ainda não entendo, e eu nunca vou querer entender, não entendo. Eu vou e venho na mesma esquina que você não quis me esperar.

domingo, 12 de dezembro de 2010


Passou a ferro quente e vincou, só sai lavando. Que a água lava e leva tudo, menos a sua boca suja. E também menos o meu mau humor e o mau amor, de tantos maus. Que o bem mastiga e engole tudo, que então mastigue e engula tudo. De resto sobra nada, de resto sobre nada. E que depois a água se encarregue e carregue todos os pedacinhos de sujeira da sua boca e os pedacinhos do meu mau humor e os fiapos do meu mau amor e o resto sobre nada, e que tire o vinco. Te tire o vinco no canto do olho chorado, me tire o vinco. Mentire, mentirar, mentirou sobre mim. Atirou. Passou a ferro quente e rasgou, pra rasgo de ferro quente não tem remendo, eu me rendo.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010


Olha colega, falo contigo poque preciso é falar. Sem nada pra falar, com palavras a dizer. souza medo maca cama olho pêssego azul dor garganta sangue amada dourado rápido anta camisa anel aliás pêra tecla madura ananás isso lápis coisa martelo pregar seta sinto pônei vaso acaso animal ilha figura óculos pé cabeça vela ovo observador rapaz pau bicileta antônio alta aves aveiro aviário avião ancinho coador pega bicho parede parecer remela janela rego tiro roupa pirar tudo ido cair regar trair era fila lais não prenúncio exato somente apenas vermelho selo cega gota tem lata lençol lenda fio capeta tribo balsa banho hoje agora trio rédia rede cavalo garagem cadeira rasteira renascer fenda alpendre cipreste olheira água arar raio ora frio amora caqui terra chão amor preto tenro macio moda marrom mosca casco colher corra raiz unha feroz boneca capilar amadurecer romper nascer render meter ver ler amanhecer caber triagem paragem brecar camaleão raspão saguão anão comichão lendário pário futebol ante origem mergulho profundeza carreta ronco lata canapé mordaça roliça roça preguiça amigo biruta cadáver preciso rosca cenoura goiaba marmelo seringueira vertigem virgem mendigo mente tumor tino tenaz atroz zoeira saci parangolé rapel ouvidoria outdoor lixo eletrônico esvaziando sssslurp

domingo, 5 de dezembro de 2010


Peraí, pessoal. Minha cabeça trepida com o encontrão de tantas vozes. Esse calor me tira do eixo, e essa quentura de vocês me faz suar de longe. Eu preciso me emburacar, mas com vocês eu perco o caminho do buraco. Lá só comigo que é fresco e meu eixo volta, minhas pernas viram pernas e ensaiam passos. Aqui em cima o sol na cabeça me encrava, embaralha minha água e meu óleo, não consigo ouvir o barulho da espuma esfriando. É o debater de asas quebradiças. Gente, meu corpo é entregue a vocês quando nos misturamos. Não é preciso se fazer entender, é preciso se situar. É preciso ter meu sítio, e no meu sítio não cabemos todos. E eu só comigo, já somos muitos juntos. O único barulho que eu precisava ouvir agora é o zumbido da água no ouvido.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010


Me desculpe o marrom por tanta pedra ter atirado. Me desculpe o cuspe, que caiu na testa. Meu marrom meu marronzinho, atingiu meu canto de olho marrom e amarronzou minha vida. O sépia, o pele, o bronze, o avelã e o marrom com letra maiúscula, agora norteiam minha cartela de cores de olhares. Estou seduzida pelo calor derretido do meu lindo marronzinho. Estou, ainda, me aprendendo.

domingo, 29 de agosto de 2010

Teu mundo me parece caber numa caixa de fósforos. O que me é chocante, visto que o meu não cabe em lugar algum. Uma vez que não o tenho.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A luz vazou a janela, pintando seus contornos de dourado velho. De dentro, eu diria que era a luz da tarde, num último suspiro do sol, que mostra a luz cansada. Inebriante. A luz saturada do dia todo, a luz do adeus. Foi essa a luz que vazou a janela, mas eram oito horas da manhã. Na verdade a luz era só dourada, o velho brotou de dentro do meu olho. Fui eu que abri olhos velhos pra luz da manhazinha. Fui eu que acordei saturada de mais uma manhazinha de luz dourada e fina. Fui eu que fiquei cega e fechei os olhos. Só abri de novo quando a luz vazou a janela, pintando seus contornos de dourado. De dentro, eu diria que era a luz da manhazinha, fina e .. volto depois.

domingo, 1 de agosto de 2010



Interno e externo se fundindo, conservando suas membranas. Externo fagocitando o interno, conservando a concentração do fagocitado. São os corpos fluidos, que se respeitam de alguma maneira. O corpo fluido. Vários corpos fluidos unidos, formando um único. O limite entre o externo e o interno só existe devido ao fluxo fluido inominado que é capaz de permear tais membranas. Se não houvesse esse fluxo, não haveria conhecimento do externo nem do interno, seria uma só coisa, como um uníssono de várias vozes. É muito sutil... Mais sutil que a película da água. Eu falo de externo e interno, mas é sobre a percepção do externo e do interno. É tipo a utilização de um espaço público por indivíduos altamente privados, se eu tentasse exemplificar. Ou a utilização de um espaço privado por indivíduos altamente públicos. A diferença de conotação de um indivíduo público por seu reconhecimento profissional comparado a um indivíduo público por habitar espaços públicos. O não publicar assuntos que julgamos privados para pessoas que julgamos públicas, e vice versa. O próprio habitar. O próprio olhar carregado de interno, voltado para o externo. O próprio corpo, externo, carregando todo o interno. Todas as relações. As próprias sensações. Eu não sei bem.

quarta-feira, 21 de julho de 2010




Algumas aves não voam;
Alguns pelos encravam;
Alguns ovos quebram;
Alguns dentes não nascem;
Alguns cravos inflamam;

É como um véu que embaça o mundo dos alguns. Alguma coisa destoa e o torna algo incomum, algum.

O véu da noiva que cobre o rosto virgem prestes a não ser.
O véu do berço que protege o bebê.
O véu da viúva que esconde os olhos de solidão.
O véu do prédio em construção.
O véu da cortina que filtra a luz.
O véu veio ao que não expus.

quarta-feira, 14 de julho de 2010



Sua pele é a casca da tangerina, tem o cheiro do visco de um bicho que não sei qual. Sua mão tem a languidez e o suor dos fracos, que se espalha suplicante. Sua lingua tem o gosto do café passado, carregando o anteontem frio na boca. Sua voz tem o tremor do pingo na água, que não sabe se vai ou se fica. Seu cheiro tem o azedo das frutas que não se deixam cair. Seu tempo é passado a ferro. Eu bem conheço tudo o seu, ou assim penso. Eu sumo no mundo que acredito ser seu. Reviro cascas atrás da sua, cheiro bichos pra achar o seu, rumino o tempo pra te sentir por perto. Todo o seu gosto a amargar na boca, que não me apresso a engolir. O teu veneno me extasia, e a minha ânsia é por inventar outra fonte, que não a sua, que não letal.
Praquele que é o rei do indizível, nada tenho a dizer.

domingo, 11 de julho de 2010


A gente mora junto. Mas eu só vejo o azulejo, ele só vê o rejunte. Eu só vejo a porta, ele só vê a fechadura. Eu só vejo a cama, ele só vê o lençol. Eu só vejo paredes, ele só vê tinta. Eu só vejo tapete, ele só vê ácaros. A gente mora junto, mas em lugares bem diferentes. Eu só, e ele só vê. Eu só, e ele só, vê. Só a sós.

Estou sempre buscando alguma forma de beleza. Acho que é uma busca eterna, nunca um achado final. O belo pode ser inesgotável, se você continuar se lapidando. Eu não acredito num padrão de beleza capaz de atrair a todos. Cada um vibra de uma determinada forma, e acaba se atraindo por determinadas expressões, gestos, movimentos, cores, sons... Acredito numa harmonia capaz de não agredir a maioria.
O belo sem pompas me comove. Puramente belo, é a beleza inata do ser. Me soa como algo virginal, casual, um acaso da vida. Quase um despropósito. É a naturalidade de existir, isso é que é bonito. Ou melhor, isso é que norteia minha busca pelo belo. Belo bruto.

domingo, 20 de junho de 2010

Estou de bem com a vida, não escrevo. Me dá bolhas de vazio, mas ainda não consigo arrotar. Até um próximo tropeção.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Lembrete: O nó.
O que ser isto
Isto confuso, esto confuso.
Confuzão, confusão
Isto letrinhas
Isto pontinho
O que ser
Isto palavras
Non me diz ]
o que dizer
e quer dizer
quero dizer..
Que o que ser non importaNon importa-me
=Apenas a vontade de dizer
há a vontade de dizer
sem ser dito
então, o que ser isto
Isto difícil
de juntar letrinhas
e dizer) o que non sabe-se
que quer sair
pelos poros, talvez
pela boca que não é
O que é isto de juntar letrinhas para dizer o que não se sabe falar. Não me faltam meios, mas ainda que estes faltassem, eu não saberia traduzir nas letrinhas o que voa pela minha cabeça, pelos meus olhos e corpo todo. Talvez a linguagem usada esteja errada. Certas falas só são ditas com a boca, certas falas apenas com a mão, seja num traço ou num belo traçado. Certas vozes só saem na música, certas linguagens não cabem no papel. Enton, meu caro, o que ser isto que vos falo, se não cabe na linguagem escrita, vou-me embora daqui, expressar o que não se expressar com letrinhas miudinhas de pontinhos e traccccccinhos e trocinhos quititinhos pititico tico tico

domingo, 2 de maio de 2010


Essa música me leva pra onde eu já estive, pra dores que eu já tive. Já não estou lá, e já não são mais minhas essas dores, mas eu sinto um respeito, que posso chamá-lo de nostalgia. É o sentimento dos buracos, das crateras, dos vazios, das dores mortas, das saudades passadas... É o sentimento que nasce em respeito e gratidão pelo sentimento morto. Um não anula o outro, são complementares, mesmo na ausência de um deles. Na ausência atual, porque ontem ele existia. Sentimento não fica na memória, o que sobra é a memória do sentimento. Eu arquivaria meus amores, se pudesse, totalmente desconectados das pessoas a que foram destinados. Arquivaria o sentimento, o brilho de cada um, um amor repentino ou um amor brusco, pro meu deleite.


Não sei mais se arquivaria. O bonito é ver nascer um novo sentimento, completamente ingênuo. O bonito é ver que cada amor é um amor, e se arquivasse meus sentimentos talvez fizesse uns recortes daqui e dali, pra tentar emendar nesse aqui. Não, ainda bem que não posso. São todos lindos, cada qual com seus detalhes, e cada um no seu espaço. Não misturo seus tempos. Todos ele existem, no ontem, no anteontem, e por aí vai. Jamais morrerão, mas jamais voltarão à vida.
Eu não arquivaria nada, o bonito é o nascimento.

sexta-feira, 23 de abril de 2010


Estou com cupim. Eu também não tinha, mas agora tenho sim. O médico diz que é gripe, mas gripe não dói assim.. Ele não engana a mim, eu bem sei que é cupim.

quarta-feira, 21 de abril de 2010



Fazia tempos que eu não acordava no meio da noite, suando de medo. Com medo das sombras, do barulho da persiana batendo na parede, dos espasmos do ventilador. Toda reflexos. Olhos grandes abertos, vermelhos de sono, mas evitavam piscar. Medo do bicho papão, não sei dizer. Esse tipo de medo não se explica. Medo da vida, ou medo do que é vivo, medo de mim. O sobressalto de que qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento, já que esse é um mundo vivo, com poder de escolha. E as possibilidades de escolhas são infinitas. Portanto, a quantidade de acontecimentos possíveis é infinita. Nesses momentos o pensamento coerente cede e eu me ocupo inteira pela emoção do momento da noite. A qualquer segundo, tudo pode acontecer. O teto pode desabar bem na minha cabeça, ou um morcego pode invadir a minha janela, a cama pode quebrar, eu posso desaprender a respirar, uma barata pode surgir no meu braço, a televisão pode queimar, posso ouvir um grito, o prédio pode estar em chamas no primeiro andar. A vida está seguindo, e eu não tenho conhecimento do seu caminho. Nesse momento talvez eu sinta medo disso. De não saber o que vem após o próximo piscar de olhos. O curioso é o fato de não me lembrar de estar sonhando, e apenas acordar assim. Fico por um tempo vigiando os segundos correrem, espreitando as luzes que invadem as paredes. Nada aconteceu. Espero mais um pouco... Nada aconteceu ainda. Resolvo dormir. Talvez o que está por vir venha só pela manhã, depois que o medo passar. E aí, provavelmente, eu vou achar natural. E vou achar natural viver.

domingo, 21 de março de 2010

A bala que estava na boca escorregou pela língua, desceu pela garganta e entalou. Deixou o gosto doce na boca e a dor no peito. A dor do entalo com gosto doce e papel desembrulhado na mão.

sexta-feira, 12 de março de 2010


A sua cara vira máscara e ganha asas, voa pelos meus sonhos quando menos espero. Arranquei meus olhos pra não te ver mais saltar da multidão, com molas nos pés e roupa neon. Não te suporto. Parei de dormir para não mais sonhar, mas então eu divago. E de novo a máscara alada rouba a cena, deixando um rastro de piche. Pula o palhaço da caixinha, e a cara é a mesma. Desaprendi a gostar dessa repetição. Esfacelei qualquer vestígio de presença, só falta a mim mesma. Não te suporto. O que sobrou é muco.

domingo, 7 de março de 2010

a saudade vira raiva no momento em que você percebe a inutilidade dela.

sábado, 6 de março de 2010

Nunca te disseram que o amor tem pernas ?

A sombra é contorno e conteúdo simultaneamente e na mesma escala. Não leva a cor do objeto que a projeta, nem é fiel ao tamanho. Não briga com seus próprios componentes. A sombra é o lado respeitável do objeto, livre de vaidades. Denota sua existência sem exibição. Demarca seu espaço, mas aceita interferências de outras sombras. A sombra permite fusão. Mistura-se às suas semelhantes e se permite viver uma nova existência em grupo. É possível criar um grupo de sombras que se reconheça como uma única sombra, por uma alusão à um ícone pré concebido, por exemplo. A sombra se liberta do esteriótipo e escorrega pelo chão, alonga ou encurta a silhueta, quase que por vontade própria. A sombra é capaz de se insinuar, ou de fazer graça. É capaz de provocar um mistério ou de trazer uma densidade à cena, sem que o objeto em questão se transforme. A sombra é a graça da luz e eu ousaria pensar que é a graça do ser também. Tudo às claras não me comove. A sombra é a parte sensível, a parte sensual. Parece transmitir a emoção do momento. Sombras afiladas, sombras inquietas, sombras curiosas, sombras grossas, sombras embaçadas, sombras sombragem sombrisso sombreiro sombraria sombrólio sombrão sombrinha. A sombra é a mancha preta que percebemos mesmo de olhos fechados. A sombra é sensual até no nome. Sombra. Talvez seja a parte mais sensual de muitos e muitas. Muitas coisas sombreadas, muitas coisas assombradas.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010


Discorre solta a vontade de permanecer solto. Lentamente percorre o corpo, assovia a calma, renuncia o tempo. Embola-se na carne, assume o sumo da leveza. Funde-se vida e teoria, transforma um ser. Entorpecimento, soltura, leveza. É macio existir agora. Reticências permanentes, reticendo um momento permanentemente. ... ... ...

...

Acordo apaixonada pela beleza. Saio achando o belo mundo.
Me apaixono por já estar apaixonada essencialmente. Pelo homem e pela mulher, pelas folhas que vivem mortas e pelas folhas que vivem vivas, me apaixonei pelo existir. Pelo estar. Aqui ou lá, mas pelo sim. Morrendo ou não, mas pela matéria que ocupa, que move, que fixa. Que fica, que existe. Que há.
Há de haver. Haver uma forma para todo tipo de existência. Um respeito pelo nascimento.
De procurar o amor sensível, vi amor ficar sólido. Vi o amor nascer da pedra, amor nascer do chão. Amor escorrendo no vento, amor transbordando na pele do homem. Amor pelo que é.
Hoje acordei condizente com a beleza do mundo. Me entreguei nele e fui rindo, derrubando vida, esbarrando nos amores. Grandes amores que se espalharam no existir, eu vou juntando só de olhar.

As pessoas se cruzam nas ruas, todo o tempo. Duas pessoas compartilham suas presenças em um momento exato, possivelmente único em suas vidas. Cada qual carregada de informações, anseios, pensamentos, seguindo por um mundo invisível para a outra. Mas se compartilham, por um acaso. Se mostram vivas. Não consigo achar banal, por mais corriqueiro que seja. Eu me emociono, no sentido abrangente da emoção. Ou no sentido de ver. Eu vejo. Não consigo não olhar no olho da pessoa que passa por mim, não perceber suas feições, não observar seus gestos, seu andar, se as vestes realmente a vestem. Penso no que pensa, pra onde vai, de onde vem. Se tem fome, se está amando, se o sapato está machucando. Imagino sua voz, seu sorriso, sua profissão, sua nudez. Penso se me pensam. Penso se fôssemos conhecidos, amigos, amantes ou rivais. Mas não deixo de notar meus transeuntes. Acolho meus personagens. Busco uma vida nos olhos vidrados virados pra dentro. Não olham pra mim. Não percebem que passei. Não observam minhas pernas tortas, não viram que eu vivo. Não notam que já não nos veremos mais. Também não te vêem, não te riem, não te imaginam. Estão vendados. As formigas se notam, os cachorros se cheiram, a gente nem passa, transpassa. Eu continuo olhando nos olhos, criando vidas, inventando choros, apressando mortes. Continuo me emocionando com a displicência forjada desse momento exato capaz de trazer duas pessoas por apenas um instante, para o mesmo mundo solto, para nunca mais. Um piscar. Outro piscar e perco você. São muitos personagens novos e vivos para apenas dois olhos atentos. Queria ter mais olhos, então. Com zoom.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010





Contato , pra mim, só com tato.

Vocês, meus amigos, com esses cheiros de pele velha, estão arranhando meu nariz. Com esse grude de pele de sapo, estão urticando meus braços. Eu fico imaginando a vida dessa mulher com esse cheiro de boca amarga e essas mãos encardidas. Eu sou obrigada a imaginar, tamanha a proximidade do nariz dela da minha orelha. A vida desse homem que mais meia hora ele se liquefaz por inteiro aos meus pés, tantas são as gotas acinzentadas que escorrem pelas suas curvas obesas. Eu sou obrigada a imaginar, tamanha a proximidade do braço dele da minha barriga. Essa garota, com esse esmalte verde descascado e essas costelas pontiagudas. Eu sou obrigada a imaginar, tamanha a proximadade do cotovelo dela do meu peito. Eu fico imaginando a vida de todos que eu não queria imaginar, e isso me asfixia mais que a falta de ar por tantas narinas buscando seu lugar ao sol. Nós viramos uma bola de pelos variados e cheiros variados. Se eu fosse uma giganta veria um só ser disforme, fétido e burro. Um caldeirão de pernas, dedos e línguas. Mas por favor, me escute, eu não sou um membro desse minhocão fedido. Pelo menos eu não quero ser. Não me cheirem, não me toquem. Antes de virar sopa, eu desço em Botafogo. Ôdor.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

O calor é o avesso do frio, literalmente. Porque no calor os poros querem sair do corpo, no frio eles querem entrar.

sábado, 30 de janeiro de 2010


Sua pele sempre vistosa, suas unhas sempre aparadas, sua fala sempre acertiva, seu timbre sempre equilibrado. Seus cabelos sempre arrumados, sua escrita sempre correta, seu perfume sempre suave, suas roupas sempre passadas. Seu olhar sempre macio, sua vida sempre tranquila, suas frases sempre otimistas, seus sapatos sempre conservados. Seus dentes sempre brancos, seus gestos sempre polidos, suas orelhas sempre limpas, seu dinheiro sempre novo. Seus pelos sempre domados, seus poros sempre fechados, seu suvaco sempre seco, seu botão sempre pregado.
Essa polidez que não convence, que de tão certa, mente. Me embola uma azia e vomito um emaranhado insosso. Que de tanto sem, vira muito. A preocupação com o perfeito é que vira desleixo. Não poder adoecer é que vira doença. Essa beleza dura eu não engulo. A falta de ritmo também compõe o natural. Muitas vezes o fosco realça, enquanto o brilho reflete na retina e o que vejo, cega. Não me venha com passinhos prontos, se o descompasso você não domina. Não me venha, apenas, que eu não me vou, apenas.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010


uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo
uma hora eu explodo

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Levar um soco na cara e ficar com um olho roxo é uma boa maneira de enxergar a vida mais colorida.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010


Todos os minutos foram quebrados junto com o frasco. Todos os minutos de espera se estilhaçaram junto. Tric tric trac trec, pedacinhos de vidro caídos e pedacinhos de cheiro subidos. Súbitos. O cheiro que ganhar o ar, se dissipa, se espalha, se infiltra. Enfim foi. Foge. Rebela-se. O cheiro molhado no chão, se esvazia no ar. Para sempre. De solto, se perde. Ele vai, e eu fico. Vive só e eu choro. Eu só sem cheiro. O cheiro no mundo se esvai e se extingue. Eu sem cheiro abro as narinas da prisão, mas ele tão levinho, transpassa meus pelos, meus poros e voa. Não aceno porque dói ter que vê-lo indo no invisível. Mas sinto na fraqueza crescente do cheiro que já não sinto a força de derreter na vida. Fusão. Eu não. Me leva. Quero ser cheiro. Que entra, que sai, que vai, que some. Sumir existir.

Fato: na prateleira havia um frasco de perfume. O antebraço toca a tampa. Balanceia. Esperneia. E quebra. O perfume vai embora. Não existe outra interpretação pro escrito. Perfume, cheiro e ar. Não existem pernas no perfume nem braços no ar. Não existe metáfora nessas letras e todos os is estão pingados.

domingo, 10 de janeiro de 2010


Um casal no cinema. Trailer. Escurinho, carinho, cheirinho, beijinho. Ela amolece, ele esquenta. Ela mole. Ele queima. Desgruda da cadeira, brusco. Aproxima-se do rosto dela, abre a boca e finca os dentes. Crava na bochecha. Ela grita, ele geme. Ela olhos esbugalhados, ele olhos fechados. Ela grita, ela sangra, ele queima, ele crava. Ela esmurra, ele goza. Ela empurra e pula da cadeira. Corre pelo corredor escuro, tropeça e some. Ele fica. Seca o sangue, ele lambe. Amolece. Reclina-se, recosta-se. Ele sua. Fim. Começa o filme.

sábado, 9 de janeiro de 2010


Se solta, cai
Se cai, quebra
Se pinga, mancha
Se puxa, rasga
Se corta, sangra
Se sopra, some
Se aperta, pula.

Se não corta, cresce
Se não lava, suja
Se não seca, mofa
Se não molha, seca
Se não anda, para
Se não para, quebra
Se não apaga, queima.

O caos-equilibrista na corda tensionada. Na superfície é que se vive, burlando a lei do caos. Desrespeitando o ritmo, desrespeitando a vida em estado bruto. Inventando outra verdade, vivendo em paralelo. Que a corda não arrebente. Que o caos-equilibrista não caia. Que a verdade lapidada seja eterna. Amém.

domingo, 3 de janeiro de 2010



Fiquei aguada, de tanta água. Encharcou minhas roupas e eu. Lavou minha pele e levou meu sal.
Fiquei de molho. Enrrugou meus dedos e testa. Penetrou minha capa e deixou aguado meu sangue.
Fiquei fria. Lambeu meus cabelos, chorou meus cílios, lavou meu olho e me engoliu a boca. Me transbordou e eu afoguei.

Pingou em mim, escorreu minha cor. Desceu rosa-bordô-preto, nariz-queixo-quadril e splash na água corrente. Desceu amarelo-oliva-preto, orelha-ombro-barriga e ping na água levada. Fiquei misturada, fiquei monocor, fiquei pastel. Eu de pintura, virei papel. Limpo, molhado e boiado. Seguindo na água aguada e corrente, pra onde deus quis.