sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010


Discorre solta a vontade de permanecer solto. Lentamente percorre o corpo, assovia a calma, renuncia o tempo. Embola-se na carne, assume o sumo da leveza. Funde-se vida e teoria, transforma um ser. Entorpecimento, soltura, leveza. É macio existir agora. Reticências permanentes, reticendo um momento permanentemente. ... ... ...

...

Acordo apaixonada pela beleza. Saio achando o belo mundo.
Me apaixono por já estar apaixonada essencialmente. Pelo homem e pela mulher, pelas folhas que vivem mortas e pelas folhas que vivem vivas, me apaixonei pelo existir. Pelo estar. Aqui ou lá, mas pelo sim. Morrendo ou não, mas pela matéria que ocupa, que move, que fixa. Que fica, que existe. Que há.
Há de haver. Haver uma forma para todo tipo de existência. Um respeito pelo nascimento.
De procurar o amor sensível, vi amor ficar sólido. Vi o amor nascer da pedra, amor nascer do chão. Amor escorrendo no vento, amor transbordando na pele do homem. Amor pelo que é.
Hoje acordei condizente com a beleza do mundo. Me entreguei nele e fui rindo, derrubando vida, esbarrando nos amores. Grandes amores que se espalharam no existir, eu vou juntando só de olhar.

As pessoas se cruzam nas ruas, todo o tempo. Duas pessoas compartilham suas presenças em um momento exato, possivelmente único em suas vidas. Cada qual carregada de informações, anseios, pensamentos, seguindo por um mundo invisível para a outra. Mas se compartilham, por um acaso. Se mostram vivas. Não consigo achar banal, por mais corriqueiro que seja. Eu me emociono, no sentido abrangente da emoção. Ou no sentido de ver. Eu vejo. Não consigo não olhar no olho da pessoa que passa por mim, não perceber suas feições, não observar seus gestos, seu andar, se as vestes realmente a vestem. Penso no que pensa, pra onde vai, de onde vem. Se tem fome, se está amando, se o sapato está machucando. Imagino sua voz, seu sorriso, sua profissão, sua nudez. Penso se me pensam. Penso se fôssemos conhecidos, amigos, amantes ou rivais. Mas não deixo de notar meus transeuntes. Acolho meus personagens. Busco uma vida nos olhos vidrados virados pra dentro. Não olham pra mim. Não percebem que passei. Não observam minhas pernas tortas, não viram que eu vivo. Não notam que já não nos veremos mais. Também não te vêem, não te riem, não te imaginam. Estão vendados. As formigas se notam, os cachorros se cheiram, a gente nem passa, transpassa. Eu continuo olhando nos olhos, criando vidas, inventando choros, apressando mortes. Continuo me emocionando com a displicência forjada desse momento exato capaz de trazer duas pessoas por apenas um instante, para o mesmo mundo solto, para nunca mais. Um piscar. Outro piscar e perco você. São muitos personagens novos e vivos para apenas dois olhos atentos. Queria ter mais olhos, então. Com zoom.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010





Contato , pra mim, só com tato.

Vocês, meus amigos, com esses cheiros de pele velha, estão arranhando meu nariz. Com esse grude de pele de sapo, estão urticando meus braços. Eu fico imaginando a vida dessa mulher com esse cheiro de boca amarga e essas mãos encardidas. Eu sou obrigada a imaginar, tamanha a proximidade do nariz dela da minha orelha. A vida desse homem que mais meia hora ele se liquefaz por inteiro aos meus pés, tantas são as gotas acinzentadas que escorrem pelas suas curvas obesas. Eu sou obrigada a imaginar, tamanha a proximidade do braço dele da minha barriga. Essa garota, com esse esmalte verde descascado e essas costelas pontiagudas. Eu sou obrigada a imaginar, tamanha a proximadade do cotovelo dela do meu peito. Eu fico imaginando a vida de todos que eu não queria imaginar, e isso me asfixia mais que a falta de ar por tantas narinas buscando seu lugar ao sol. Nós viramos uma bola de pelos variados e cheiros variados. Se eu fosse uma giganta veria um só ser disforme, fétido e burro. Um caldeirão de pernas, dedos e línguas. Mas por favor, me escute, eu não sou um membro desse minhocão fedido. Pelo menos eu não quero ser. Não me cheirem, não me toquem. Antes de virar sopa, eu desço em Botafogo. Ôdor.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

O calor é o avesso do frio, literalmente. Porque no calor os poros querem sair do corpo, no frio eles querem entrar.