domingo, 9 de novembro de 2008


Amava frouxo.
Amava sem gás.
Amava opaco.
Amava sem contorno.
Amava vazio.
Amava sem reflexo.
Amava escuro.
Amava sem sal.
Amava frio.
Amava sem espuma.
Amava a seco.
Amava sem dentes.
Amava furado.
Amava sem cheiro.
Amava pálido.
Amava sem ponta.
Amava magro.
Amava sem som.
Amava roto.
Amava sem sabor.
Amava desbotado.
Amava sem gelo.
Amava roído.
Amava curto.
Amava quebrado.
Amava mudo.
Amava murcho.
Amava velho.
Amava cru.
Amava ontem.
Amava sem.
Se é que amou.

Um machado cego não serve pra degolar. Mas se joga pesado, crava bruto e abre fendas. Fendas cavernosas, do tipo que gotejam. Minam. Escorre seiva amarga, lustrando os sulcos enquanto balbuciam sentimentos apertados. Encravados. Continuarão a gotejar, brandamente. Como notas de uma canção triste. Caem mornas, e sem hesitar, se deixam escorrer. Esfriando. Mas continuam assim, brandas e densas. Entranham-se pelos veios, para gotejar novamente, mais brandas e mais densas. Dando vida às fendas, que já nascem mortas. Craquelando ao secar.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008


Tem alguma coisa errada. Não sei bem o que é, mas tem. E é com a gente. Com a gente que anda por aí. Não enxergam nada. Têm olhos porque é conveniente enxergar, senão arrancariam pra carregar menos peso ao andar. Andam porque têm que chegar a algum lugar, senão não ousariam levantar. Parece que levam uma névoa em torno do corpo. Talvez sejam embaçados mesmo. Um borrão. Vários borrões, uns maiores, outros menores, pretos, brancos e coloridos. Borrões enfeitados, badulaques e penduricalhos sacudindo pra lá e pra cá. Não me dizem, não me olham. Ou não se dizem e não se olham. Só sabem falar com a boca e só sabem ler o que está impresso no papel. Não falam com os olhos, não beijam com as mãos, não lêem uma voz, não escutam um sorriso. Inflam seus pulmões e quase voam, de tão cheios. Cheios de informações. Sabem demais. Eu não entendo muito bem o que tanto sabem. Inventaram um monte de coisinha pra ter o que saber e sair por aí de peito estufado e olho embaçado. Parece que todos cantam a mesma música pra dentro, e eu não sei qual é. Pela cadência mórbida que andam e pelos olhos pesados que levam, essa música é um porre dos grandes. Prefiro não saber e continuar procurando pernas desorientadas e olhos vivos no meio desse marzão cinza. E gostando dos cachorros, que têm o que falta na gente. Na gente que se esgueira por aí.