sábado, 26 de dezembro de 2009


Te penso embaçado
Ralado.
Te penso o tempo.
Te penso invento.
Te penso e arde
Descasca.
Te penso pra mim.
Miudinho
Te aminho.

Porta-portal


A porta que me aparta
A porta que me aporta

A porta que me importa
A porta que me exporta

A porta que me reporta
A porta que me suporta

A porta que me transporta

A porta que me espera
A porta que me expele

A porta que me vela
A porta que me leva

A porta que me fecha no medo
A porta que me fecha em segredo

A porta que me fecha na noite
A porta que me fecha em açoite

A porta que me abre no dia
A porta que me fecha em vigília

A porta que me escoro
A porta que decoro

Porta dura
Portadora
do meu porto.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009


Alguma coisa a impulsiona. Não falta sono, mas sobra impulso. Na tentativa de se esvaziar, gruda o rosto na luz azul da tela. Penteia os cabelos com os dedos, amansando as idéias. E assim vai, juntando os cacos vivos de outrora pensamentos. Pensamentos parcos, interminados, curtos. Como num pisca pisca, sem ritmo e muitas cores. É isso que a impulsiona, o não controle constante do pensar constante, rápido e sem sentido. O não pensar. Uma cabeça cheia de gordura. Carrega palavras com asas dentro dos ouvidos, zunindo e zunindo sem parar. Mal interpreta o que se passa nela própria, menos ainda interpreta o que se passa fora. Interroga o mundo que se esparrama à sua frente, do qual ela é peça fora. Deixa ele correr, discorrer e escorrer. Deixa ele. Deixa ela. Deixa ela viver em pedaços, seu não entendimento completo é seu único entendimento. Falta coesão e coerência. Faltam muitas coisas, mas sobra impulso.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009


Natália, Natanael, Natalino, Natalí. Natacolá.
Tem Natal pra dar e vender. Mais pra vender que pra dar. Cavalo dado não se olha os dentes, mas tem 15 dias para troca, desde que esteja com a etiqueta intacta.
Vamos Natalizar! Amigos ocultar! Confraternizar! E quando os sinos de Belém brandarem meia noite, vamos cear! Como as vacas do presépio. Como os anjos dizendo amém.
Amem. Amemo-nos no Natal, briguemos ontem e amanhã. Mas não no Natal... que é o dia do abraço. O dia da ternura, do dinheiro e da família. O dia da fartura. Farta tua usura.
Amanhã eu piso no teu calo e troco teu presente. Mas não no Natal...

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

tudo tremia em tons de cinza, de alto que o grito era. de um agudo crescente, de uma insistência plena, de uma dor visível e audível. a rua se manifestava, a vida se manifestava contra o som. contrafluxo. um ponto negro central empurrava tudo para a periferia. ímas em pólos iguais. do lado de fora do som, um único ponto cego-surdo brilhava. brilhava a surdez invejável do momento. reluzia o sol que foi morrer dentro dele. e o mundo opaco, na gritaria reinante, se apagou. o som secou. seco som.

sábado, 19 de dezembro de 2009


Desgruda esse teu olho da minha nuca que me queima.
Ou arranco seus olhos pra mim e pra estante.
Pra ser vista quando bem entender.
Pra proteger minha nuca.
Minha voz
e meus gestos.

Desgruda essa tua mão da minha que me sua.
Ou arranco seus dedos pra mim e pra estante.
Pra ser tocada quando bem entender.
Pra proteger minha mão.
Minha voz
e meus passos.

Desgruda esse teu cheiro do meu nariz que me asfixia.
Ou arranco sua pele pra mim e pra estante.
Pra sentir quando bem entender.
Pra proteger meu nariz.
Minha voz
e meus amantes.


Enroscadas, balançavam. Bem no alto, escorriam enroladinhas até perto da surdez e da cegueira do caos. Mas assim, firmemente suaves. Soltas no ar, sem mãos entrelaçadas, sem olhos esbugalhados. Confiavam em ser. Elas eram, na firmeza do se saber. Se sabiam frágeis, e a estabilidade da aceitação ganhava a forma de coragem. Um sopro mais forte e uma queda certa no asfalto brilhante. Seria uma queda bonita de ser vista, dançando no ar e encarando o fim. Respeitando o momento e assumindo sua condição. Uma sinceridade triunfal. Uma placidez corajosa. Uma flor pendurada na saída do túnel.

- Registro: o "pendurado" tem me atraído de uma forma que ainda não entendi bem. Talvez a iminência da queda dura constrantando com a leveza no balançar, somados ao esticado da tensão contrastando com liberdade da soltura. O pendurado range para mim, por não se mostrar estático ainda que não balance. É o dinamismo da incerteza. É a vontade de soltar e o medo de cair. Um conflito incessante que eu interpreto como vivo. Vivo por um fio, como nós, marionetes em carne ou osso.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009


os frangalhos estão estraçalhados
se bate um vento
os frangalhos se balançam
e aos meus olhos
os frangalhos dançam
é mais fácil dançar um frangalho
que um espantalho
pregado e petrificado

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009


Serafim era uma pessoa. Ao acordar, empurrava a cortina para olhar o céu. Gostava de deixar o sol aquecendo seus olhos enquanto preparava-os para se abrir. Esticava o corpo e levantava. Beijava o espelho e escovava os dentes. Todos os dias se desafiava a inventar uma nova careta. Sempre cumpriu com o desafio. Fazia muita espuma com o sabonete durante o banho para cobrir os mamilos. Moldava novos penteados e prendia a respiração embaixo do chuveiro, para ver o máximo de segundos que aguentava. Nunca passou de 18. Dançava nu, fosse a música que fosse. Gostava de balançar o pênis de um lado para outro. Pra frente e pra trás. Na verdade, ele adorava ter um pênis. Inventava-o boneco, minhoca, amigo, et, fosse o que fosse. Vestia sua fantasia séria e ganhava a rua. E milhões de histórias surgiam. Brotavam do bueiro, caíam da árvore. Criava sinfonia entre passos, tapas nos muros e buzinas. Se equilibrava no meio fio e contava quantas folhas enfeitavam o chão. Aos poucos a fantasia séria de Serafim foi ficando surrada. Ao acordar, empurrava a cortina para olhar o céu. Gostava de saber se precisaria levar o guarda-chuva. Esticava a cama e levantava. Limpava o espelho e escovava os dentes. Todos os dias se desafiava a achar uma nova ruga. Sempre cumpriu com o desafio. Fazia muita espuma com o sabonete antiséptico para eliminar uma micose. Contava os escassos fios que da sua cabeça caíam enquanto eram lavados. Nunca menos de 18. Tomava café nu, fosse o café que fosse. Vestia sua fantasia seria e ganhava a rua. E milhões de obstáculos surgiam. Brotavam do bueiro, caíam da árvore. E aos poucos a fantasia séria de Serafim foi ficando surrada. Ao acordar, empurrava seu corpo dentro da fantasia séria. E ganhava a rua, e o sério fim de Serafim.
Serafim era uma pessoa.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009


se a lua me quisesse eu ia lá morar com ela.
era só ela me chamar que eu ia de uma vez.
levava meu travesseiro e o casaquinho-da-minha-vó só.
se um dia eu sumir pode saber que eu tô lá num daqueles buraquinhos dourados.
ia viver a vida boa da lua, ia dar bom dia e boa noite pra lua.
ia ter cor de lua, cheiro de lua. ia ser enluarada. ia ser o luar e o eu.
se ela se sentir muito sozinha então eu vou lá, nem vai precisar me chamar.
eu lá não vou me sentir sozinha. vou ver você aqui, e de lá balanço os braços pra você me ver também. vou te mandar beijos durante a noite. e no resto do tempo, eu vou ficar comigo e com ela, contando todas as cores que eu enxergar lá.
eu vou morar na lua, quando ela quiser.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009


Ali na parte mais quente da são clemente estava eu quando ganhei o presente. O sol gritava e eu hesitava. Mas segui andando, cansando e suando. Fatigada e esturricada. O ar pesado caiu-me como um fardo. Me chupou as forças e as vozes roucas zumbindo no ouvido esboçavam um gemido. Minha cabeça explodia com a quentura que me envolvia. Na ânsia do desmaio, inclinei-me de soslaio. Olhei prum lado, olhei pra cima: e ganhei o azul piscina. Ganhei o céu azulzinho cheinho de passarinho. O da frente foi pra trás e o de trás veio pra frente. Levaram um sorriso cheio de dente. Por um instante minha carne esfria, a cabeça esvazia, meu corpo respira. O azul me cuspiu, já não estou febril. Sigo adiante, metade triunfante, metade fumegante. Mas agora mais tranquila, graças ao azul piscina.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009


Te preparei uma maçã, amor. Te cortei a maçãzinha em dois. Metade metade. Te abri a maçã, amor. Arranquei dela todos os carocinhos. Extraí o miolinho pra você, amor. Ela sangrou seu sangue doce. Meu docinho. Seu sumo lambeu sua face vermelha. Rubra como a sua, meu amorzinho. Te derramei mel sobre a maçã. Ganhou um brilho dourado e ficou mais docinha. Te cozinhei a maçã, amor. Cozinhei até ficar bem molinha. Quase se desfazendo. O sangue-sumo se entranhou de mel. Uma docinha-molinha-vermelhinha maçã. Pra você, meu amor. Pra você espetá-la com o garfo mais afiado. Cortá-la com a faca mais amolada. E rasgar sua pele fina. E mastigar sua carne numa boca cheia de dentes duros. Pra você engolir. Meu amor.

Se eu me entrasse num ralador de queijo eu me entrava feliz.
Me entrava vida pequena a dentro.
Me farelava.
Me partia.
Me lixa.
Me lixo.
Pouco me licho.
Se eu me empequenasse assim deixava de me ser massa, eu me seria farelo solto.
Me livro.
Me livre.
E se o deus existisse ele me pegava nos farelos e me assoprava feliz.
Me voou.
Me espalhou.
Me soltou
de mim
me livrou
de mim
me

e
s
f
a
r
e
l
o
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e
u

f
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r
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sexta-feira, 20 de novembro de 2009


Eu te beijo pra me lamber
Eu te mordo pra me afiar
Eu te excito pra me viver
Eu te vivo pra mim
Eu te morto

Minhas inverdades
Invenções
e meia verdades
Na gaiola de metal

Bingou

Eu te amo a mim
Eu te me amo

quarta-feira, 18 de novembro de 2009



quero uma parede de pregos, pregada de pregos, uma pregada de pregos pregados. Pra pendurar penduricalhos, fitas, folhas, tulipas.. Pra me pendurar. Pra caber o que é meu e o que eu roubar. Tudo furado, mas tudo ao meu alcance.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

eu ganho vida num segundo
perco em outro

sábado, 10 de outubro de 2009


um salpico de suplico, é o pingo preto que tem dentro do teu olho. é o cisco que te enxergo, por conta disso que te enxergo cisco. te desvendar rumou ao te querer e o te querer é o querer saber-te. o suplico vem de dentro e ganha a forma de pingo no olho, que é pra te exibir. exibir a súplica de querer a súplica do desvendar. desvendar as cores que você guardou pra dentro. te vejo pálido agora, porque já desvendei a súplica e já vislumbrei as cores. e te ver tão pálido me faz querer desvendar outra súplica que talvez eu não conheça. querer te desvendar ruma ao te querer e o te querer é o querer saber-te. o querer saber-te é que eu suplico desvendar, pra ganhar olhos pálidos por já ter visto as cores que eu separei pra dentro.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009


sentou-se como quem não sabe que senta, com olhar desmerecedor do que vê. a lâmpada de luz fria vacilava, accccende appppppppaga acnd apg acende e e e e ap ace aaapgaaaa, gemendo uma imitação frívola do silêncio. respirava forte e expirava quente. a boca entreaberta deixava a mostra o visco da saliva. curvou-se sobre a mesa, cravou os olhos no prato. arqueou o corpo e angulou os braços, como uma ave selvagem. apertou firme as duas mãos contra a espiga besuntada, levou-a a boca lustrando os lábios grossos, rasgando a pele do milho com os dentes. escorria a manteiga por entre os sulcos do milho, descendo pelos dedos. sua lingua percorreu as maos, se perdeu na espiga que fumegava e que escorria. ele usava a lingua e usava os dentes, usava as mãos e os olhos vidrados. todo um corpo para uma espiga. todo um bicho para uma caça. todo um bicho para ser a caça.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009


Meio | Seio | Tremeio | Permeio | Veio |

Do centro partem as diagonais que se repelem para as extremidades. Ameaçam partir em cada encontro. A partida dói. São tão anguladas que não me mostram vivacidade e então fazem questão de mostrar a amargura do orgulho cultivado pela austeridade. Se tivessem olhos logo seriam notadas. Estamos falando do impessoal e do teoricamente inanimado, falamos de um recorte da paisagem interpretado pelo subjetivismo do instante. Do segundo. Se pisco as pestanas o quadro pode mudar. São milhões de imagens, porque são milhões de piscadelas, cada uma em um segundo. O que quero pensar é que o que é visto recebe influência de tantas variáveis que pode ser realmente visto realmente diferente. De cor, de forma, de fundo, de espessura, meu olho é um deficiente. Apoiado. *Pisco* Agora não partem, partilham. Partilham um centro, um único pontinho. putinho. A partilha é regojiozante. Agora já não me parece uma disputa, mas um gozo. Múltiplo, entremeado. É um quadro recortado de cores formadas por traços vibrantes, que se movem mesmo. O pontiagudo se dissolve, escorrega para as extremidades. Chumaços macios. São tão homogêneos que não me mostram fendas díspares e então fazem questão de mostrar a solidez do equilíbrio de acumuladas vivências positivas. E eu acredito. É tudo tão convincente que eu não passo de dois olhos de muletas. *Pisco* É tudo tão certo, que não me parece ou não me pareço, apenas aparece.

As pessoas me baratinam, porque são como as baratas encarquilhadas, cheias de pernas ásperas, que se movem rápido, com barulhos secos, em pequenas partes, desritmado, agitando as asas, se debatendo, cheirando a mofo e bafo de bicho. Me barateiam, porque penso em cortes. Me baratinam e some o fio e sigo sem. Corte. Enxergo em quadros, com arestas vivas. Corte e ponto.

sábado, 15 de agosto de 2009


a minha pequena se agarrou num fio de tempo e balança como num pêndulo; o que vejo hoje é sua silhueta transpassando o tempo que vem e o tempo que foi. seu balanço mole segue descompassado para frente e para trás, e se não me atino me bate o pêndulo no meio da testa. minha pequenininha, o pouco que te vejo brilha. me sufoca a garganta o te lembrar e me permito escorrer minha saudade ácida rumo ao chão. me conforta a saudade que invento, dos teus olhos que não vi. fico seca pelos olhos vivos e peço que continue balançando. sua não vida me encravou, mas sua vida me aniquila. me deixa crescer, que a pequena sou eu. você é um estardalhaço, estribilho e estilhaço.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

do livro As coisas, Arnaldo Antunes



Para passar de um lugar a outro existem as portas. Em geral são de madeira, mas às vezes não. De ferro em geral são os portões, mas às vezes de madeira. Portões de madeira chamam-se porteiras. Para sair de um lugar entrando em outro, como nos partos, as portas existem. As moscas pousam nelas. Os meios de transporte chegam ou vão embora. As portas são meios de transporte que ficam no mesmo lugar. Em geral brancas, como as paredes geralmente. Movem-se mas ficam no mesmo lugar, como o mar. As moscas pousam nelas. As paredes ficam paradas. Aranhas fazem teias nelas. Não nas portas, que têm dois lados; nas paredes, que só têm um lado, ou outro. Os olhos pousam nelas.

De Caroline Pires

Impávida

Atrás da minha íris tem alta tensão, fio desencapado, arame farpado, céu descoberto.


Atrás , na minha nuca, tem arrepio, tem desafio e nenhuma tatuagem pra mostrar caminho.

De frente, há quase nada e o sempre, é nunca.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Embola e embolora
de-te-ri-o-ra
de te rio rá-rá-rá

liquidez liquefaz solidez e solitude



em ti me dou e
em ti me dava
intimidou-se,
intimidada.

me te dava, te me dava.

deu-se e se deu.
ô se deu

cedeu.

eu e seu,
se eu sêsse.

que cesse,
quisesse.

quis-te-o
quis-to
quisto

Sê isto:
cisto torpor raiva.
Se isto se opor à raiva...
deleito rejeito

terça-feira, 14 de julho de 2009


minha noite é agitada, acho que é meu período de ebulição. não dá tempo de dormir, porque é muita coisa pra sonhar. são muitos quadradinhos brancos pra pintar. eu pisco menos e respiro mais. toda noite eu sou heroína e toda noite o dia parece pequeno demais pra mim. e eu fico ali, existindo de mentirinha. lutando pra não fechar os olhos, porque abrirão embaçados. cansados, sem força. da vida burra, do dia inteiro, inteiro burro pela frente. sem vontade de ver os bois de todo dia, de ver as pernas tortas. não quero ver que eu entro na manada-dos-sem. de noite é tão bonito, de dia é tão vulgar. a noite é permissão, o dia é castigo. de dia me faço vaca, de noite me deixo ser.

sábado, 11 de julho de 2009


pelejando, estribuchando.
as coisas vibram na forma mais estática, por incrível que possa parecer. essa é a minha corda, tanto salva qto enforca.
tudo tem uma alma, merece ser respeitado, por incabível que possa parecer. essa é a minha algema, tanto reprime qto debate.
as palavras têm asas e bocas, voam e sussurram todas ao mesmo tempo em volta da minha cabeça, sem cadência e propósito, por pretensioso que possa parecer. essa é a minha cor, tanto vibra quanto esmaece.
não se começa e não se termina, são linhas emboladas. por confuso que possa parecer.
não tenho propósito algum, além de calar o que há de vivo no ar capaz de envergar olhos, retorcer ouvidos, espiralar rostos e ir-se, ir-me, ir-te. tudo é vivo, tudo tem, tudo existe, tudo quer. isso me suga, me aflige, eu não entendo bem. tudo pulsa constantemente e de alguma forma se finge de morto, mas a mim eles nao enganam.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

a corrida das pedras


de dentro, te vejo me vendo. de fora, nos vejo me vendo. e assim vou indo, me vendo sem ser. cada olho a mais é um passo a menos e a largada já é dada com dois a menos. um, dois, três e já.

sábado, 2 de maio de 2009


Papai do céu e Papai noel,

Eu quero pedir que vocês devolvam as cores que ficavam dentro dos meus olhões. Se eu estiver de castigo tudo bem, mas se as tiraram por engano, por favor devolvam logo. É chato ver tudo cinza e pálido.

Um beijo,

Amalinha.

sexta-feira, 1 de maio de 2009


eu carrego um balde na cabeça, cheio do cuspe pesado preservado por não dizer.
eu carrego um saco nas costas cheio da força embolada preservada por não usar.
eu carrego um burro magro na mão, tão magro que não poderia me carregar.
eu carrego um mundo de alfinetes, papéis e botões aos borbotões, que servem para ser carregados.
eu carrego o burro porque somos irmãos.

segunda-feira, 20 de abril de 2009


Mas os meus olhos estão sufocados de areia, e eu sou um deserto estéril.



























Mas a minha garganta está repleta de ar, e eu sou um vácuo.













E



eu

que

pareço

densa

sou

mais

rasa

que

uma

mil folhas

transparente

.



A cereja




Adapte e se adapte
Adira pra adorar,
ou adore pra aderir
Expulse, sem muito pulsar
Pulse, sem pulso firme
Prorrogue sem rogar
Lapide sem ver a lápide
Afeiçoe-se
Consinta-se, com ou sem, sinta-se.
Seja-me e serei-o. Serei a cereja.












sexta-feira, 10 de abril de 2009


Deixa assim que eu prefiro. Só parece que não tá pronto, mas tá. E também não vai pintar, que esse não precisa de cor. Parece velho, mas é pra ficar velho então. Nem um traço a menos nem um traço a mais. E se mudar eu rasgo com pena, mas rasgo. Deixa assim todo rabiscado, todo bruto. Assim parece mesmo que não acabou. A leveza da falta de propósito. A simplicidade da despretensão. A franqueza do preto e branco. A inocência do erro. A ilusão do colorido. Mas como ficou bonito... Acabei.

domingo, 5 de abril de 2009


Aquela meia luz invadiu o que era só um contorno frio de um corpo e preencheu de dourado.
Um corpo gordo que só tinha boca, comprimido pelo ar gelado. Aquilo pingava uns gemidos pesados que entalavam nas narinas. E na falta do ar, sobrou raiva. Transpirou pelos poros e não duvide de mim. Eu soube que posso te matei. Na falta de mim, sobrou força. Mãos e boca e boca que geme não entra ar. E na falta do ar, sobrou ar. Ar leve, puro, macio e lisinho. Aquela meia luz escorregou do que era um corpo gordo de contorno frio preenchido de dourado. E agora ficou branco. Branquinho.

domingo, 29 de março de 2009


Nasce um dia fujão. Não foge de mim, seu macaco. Não finge que faltou. Vai, vem. Vem aqui. To com saudade da cor, não quero essa cara bege. Sai daí vem me dar um abraço, eu posso fingir que nada aconteceu. Já decretei luto quando você faiscou vida, mas não foi por mal. Vem, não faz isso hoje não. To com saudade do grito, não quero essa respiração presa. To com saudade do suor, para de ser assim tão frio. Vem que faz tempo que eu não sinto essa saudade. Sem sabotagens, bora. Vem me dar bom dia, antes que eu troque o vestido florido pela camisola preta. Vai, vem. Ainda dá tempo.

sábado, 28 de março de 2009


isso é uma lagarta mole e verde.
pra mim é uma cobrona escamada e amarela.
que diferença faz ?
lagartas são frágeis e cobras ágeis.
que diferença faz ?
eu posso esmagar uma lagarta, uma cobra pode me esmagar.
mas que diferença faz ?
uma ganha e outra perde.
eu não vejo diferença.
prefiro ver uma lagarta a ver uma cobra. assim me sinto maior e mais forte. assim me sinto homem, viril e másculo.
você é uma lagarta.
como ?
você é uma lagarta verde e mole.
eu preferiria ser uma cobrona escamada e amarela.
que diferença faz ?
assim me sentiria maior e mais forte. assim me sentiria homem, viril e másculo.
você é uma lagarta.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Tem gente que tem o dom do eco. Abre a boquinha, voam as letrinhas, bate na parede, rebate, volta, ecoa, coa, oa, a.. ah..

sábado, 28 de fevereiro de 2009


Eu tava do lado de fora e vi tudo. Ela chegou sozinha e meio perdida, no meio daquela gente toda. Com passinhos tímidos, encontrou um canto que a agradou e ali ficou. Não procurava ninguém, não olhava para ninguém, não queria se acabar de dançar. Fumava uns cigarros e bebia, mas não me pareceu bêbada também. Ela só queria ser o mais próximo dela que podia. Dançava com calma, cantava o que gostava, ria de vez em quando e fechava os olhos algumas vezes. Eu tenho certeza que ela nao queria ser notada. Mas não que estivesse fugindo, ou estivesse com medo. Me pareceu que ela só via silhuetas e se achava mais uma silhueta anônima entre tantas. E estava ali por ela, sem querer ver e achando que não estava sendo vista. Mas eu que tava do lado de fora e vi tudo, vi que ela foi muito vista, mas muito vista. Todo mundo percebeu que ela destoava e alguns se dedicaram a examiná-la. E viram o que eu vi. Ela era ela, ela era singela, tinha um 'que' amargurado num semblante feliz. Ela tinha luz, tinha verdade, tinha paixão contida. Ela era a mais linda, e eu que tava de fora me apaixonei. Alguns outros se apaixonaram também e foram até ela. Eu sabia que isso não ia dar certo. Assustaram ela, claro! Ela se assustou e foi embora, e eu fui junto.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009



Sr. Moço: - Bom dia, Amalinha!

Amalinha: - Bom dia Sr. Moço, mas acho que não está bom.

Sr. Moço: - Oh, minha pequena. O que a faz pensar assim ?

Amalinha: - Bem... É que eu morri um pedaço.

Sr. Moço: - Ahaha... E qual é esse seu pedaço que você considera ter morrido ?

Amalinha: - O pedaço de dentro.

Sr. Moço: - Ah, o pedaço de dentro... E a senhorita me diria o porque disso ?

Amalinha: - Eu diria. E digo. Sabe quando você fica muito feliz e sente bem aqui pulando ? Ou então quando você fica muito muito feliz e sente tudo assim formigando ? Ou então quando você fica muito triste e sente bem aqui encolher...

Sr. Moço: - Hmmmm... Acho que sei

Amalinha: - É, então. Nada aqui dentro funciona mais. Nada pula, nada formiga e nada encolhe. Tá tudo tão paradinho que parece morto. Ou então.. Será que o meu pedaço de dentro tá só dormindo ???

Sr. Moço: - Ahhh, agora sim. Certamente está dormindo, Amalinha... Sabe, esse pedacinho deve ter brincado muito nos últimos dias e acabou se cansando. Agora deve estar tirando uma soneca, e em breve voltará novinho em folha !

Amalinha: - Ah, Sr. Moço, deve ser isso... Talvez então eu me remexendo desse jeito esteja atrapalhando o sono do meu pedaço de dentro, e aí ele nunca vai acabar de descansar e nunca vai acordar !

Sr. Moço: - É.. Bem...

Amalinha: - Já sei ! Vou deitar e dormir, até a hora que o pedaço de dentro acordar, que vai acabar acordando o pedaço de fora. E se ele nunca mais quiser acordar... eu vou dormir pra sempre junto com ele. Bons dias pra você, Sr. Moço.

Sr. Moço: - Ah, Amalinha... Bons dias... e boas noites.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009


A árvore


Era uma vez ela. Era duas ou três vezes ela, não importa quantas vezes fosse, era sempre aquilo. Ansiosa a esperar. Esperava passar o que queria ver. E enquanto isso, via de tudo. Via elefantes, mas achava-os feios. Via a chuva, e acabava se molhando. Via o medo, e acabava por senti-lo. E via de tudo um pouco, menos do que queria. Mas ela ali ficava, não ousava se levantar. E foi ficando por ali, por todos os dias da sua vida. Sentada na terra, esperava passar o que queria ver. Ia passando o sol, ia passando a chuva, ia passando a lua e ia passando o sol. Ela permanecia sentada. Já quase não se movia mais, te tão compenetrada que ficava, esperando pra ver a vida passar. Já não levantava, pois podia levantar justamente no momento em que passaria o que ela esperava ver. Suas perninhas foram se enterrando cada vez mais na terra. Seu corpinho foi se tornando cada vez mais rijo. Desaprendeu a falar, já que só sabia esperar. Desaprendeu a andar, já que só sabia esperar pra ver. E assim ganhou folhas, caule e raízes e transformou-se numa bela árvore sem frutos. Viu cometas, viu amores, viu leões e viu cordeiros. Passou de tudo um pouco por ali, menos o que ela tanto esperou pra ver.

Fim.

sábado, 21 de fevereiro de 2009


Fecho a porta pra respirar. Só sou livre trancafiada. Ninguém entra e só eu saio, mas volto pra respirar. Só aqui eu sou, ou só, aqui eu sou. Sem nada e sem querer é aqui que eu me acho e é aqui que eu me vou. Mas é pra cá que fujo, pra respirar. Aqui não tem gente, não tem medo, não tem olho e não tem dente, não tem voz e não tem escuro. Aqui não tem ladrão, não tem barulho, não tem cheiro e não tem casca. Não tem frio e não tem calor, não tem fome e não tem facas. Aqui é meu abraço. Aqui eu sou anônima, e eu só sou no anonimato. Aqui sou eu e eu sou aqui.

sábado, 7 de fevereiro de 2009


Meus dentes caíam mais do que o possível. Eu os juntava no abraço, como que para confortá-los por ainda estarem no meu corpo; em outra parte do meu corpo. Eram tantos... Iam se espalhando pelo asfalto, se partindo... Cada um tomava um rumo diferente, ia seguir a sua vida, mas meus braços continuavam pesados de dentes e minha boca sentia as quedas, uma por uma. Eu trancava a boca pra não deixar mais eles saírem, e enfim, mantê-la cheia de dentes. Cheia de dentes soltos, perdidos no céu da boca, boiando na saliva. Não me serviriam mais. Eu já não podia falar, já não podia rir, mas guardava aqueles pedaços de osso por medo de expulsá-los e me ver friamente desdentada. Os dentes já estavam a ponto de me sufocar, quando então, finalmente assumi minha condição de desdentada e cuspi-os. Um a um. Um parto de dentes mortos. Cada um que eu paria, eu sentia a dor na carne, eu vivia a perda. E assim, cuspi todos. Meus braços se enovelaram de dentes e meus olhos penderam para baixo, adotando o formato vivo de uma lágrima. Não chorei. Me vi. E vi que havia perdido apenas os dentes, e nada mais em mim. Continuava bonita à minha maneira e aos meus olhos, que são os olhos da minha verdade. Abri os braços e larguei aquela infinidade de dentes pelo chão, pelo ar, criei um mundo de dentes mortos, mas dei uma vida a cada um. Foi então que me surpreendi. Senti minha boca apertar. E lá estavam eles novamente... Só que dessa vez, inacreditavelmente brancos e lisos. Meus dentes vivos.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O rascunho

Eu quero engolir o que eu vejo, o que eu sinto e o que eu toco, porque eu não quero nem dividir nem explicar. E engolindo, sem mastigar, tudo vira inteiro meu. Eu não me importo com o preto vazio que vai ficar, se minha barriga estiver cheia. Eu não me importo com a falta que vai fazer pra você, aquela paisagem ou aquele cheiro. Se minha barriga está cheia, isso me basta e me alimenta. O que eu vejo é meu, o que eu sinto é meu e o que eu toco é meu. É meu dentro de mim, naquele momento. Na ausência do momento eu perco tudo e isso me dói. Eu não me importo contigo, se a dor é minha. Aqui quem fala é o meu egoísmo, por isso respeite-o. Ele vem antes de mim e é maior que eu.

Recuperado.

domingo, 11 de janeiro de 2009


Lá vem o verão. Ou melhor, lá veio o verão. Esfuziante, claro. Claro. Escaldante, claro. Claro, alvo e eloquente. Mas muito quente. Me pinta de rosa, te pinta de vermelho, pinta e borda. Com a minha cara. Derretendo meu bom humor. Estufando minha cabeça. Expelindo meu sebo e grudando em sebos alheios. Suando esses sorrisos suados e salgando essas rugas na testa. E lá vamos nós, frangos com as vidas escaldadas. Ensopados numa água borbulhante, virando uma canja. Só uma canjinha.. só mais um verãozinho. E é por isso que eu adoro o verão. Ah, o verão...