sábado, 26 de dezembro de 2009


Te penso embaçado
Ralado.
Te penso o tempo.
Te penso invento.
Te penso e arde
Descasca.
Te penso pra mim.
Miudinho
Te aminho.

Porta-portal


A porta que me aparta
A porta que me aporta

A porta que me importa
A porta que me exporta

A porta que me reporta
A porta que me suporta

A porta que me transporta

A porta que me espera
A porta que me expele

A porta que me vela
A porta que me leva

A porta que me fecha no medo
A porta que me fecha em segredo

A porta que me fecha na noite
A porta que me fecha em açoite

A porta que me abre no dia
A porta que me fecha em vigília

A porta que me escoro
A porta que decoro

Porta dura
Portadora
do meu porto.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009


Alguma coisa a impulsiona. Não falta sono, mas sobra impulso. Na tentativa de se esvaziar, gruda o rosto na luz azul da tela. Penteia os cabelos com os dedos, amansando as idéias. E assim vai, juntando os cacos vivos de outrora pensamentos. Pensamentos parcos, interminados, curtos. Como num pisca pisca, sem ritmo e muitas cores. É isso que a impulsiona, o não controle constante do pensar constante, rápido e sem sentido. O não pensar. Uma cabeça cheia de gordura. Carrega palavras com asas dentro dos ouvidos, zunindo e zunindo sem parar. Mal interpreta o que se passa nela própria, menos ainda interpreta o que se passa fora. Interroga o mundo que se esparrama à sua frente, do qual ela é peça fora. Deixa ele correr, discorrer e escorrer. Deixa ele. Deixa ela. Deixa ela viver em pedaços, seu não entendimento completo é seu único entendimento. Falta coesão e coerência. Faltam muitas coisas, mas sobra impulso.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009


Natália, Natanael, Natalino, Natalí. Natacolá.
Tem Natal pra dar e vender. Mais pra vender que pra dar. Cavalo dado não se olha os dentes, mas tem 15 dias para troca, desde que esteja com a etiqueta intacta.
Vamos Natalizar! Amigos ocultar! Confraternizar! E quando os sinos de Belém brandarem meia noite, vamos cear! Como as vacas do presépio. Como os anjos dizendo amém.
Amem. Amemo-nos no Natal, briguemos ontem e amanhã. Mas não no Natal... que é o dia do abraço. O dia da ternura, do dinheiro e da família. O dia da fartura. Farta tua usura.
Amanhã eu piso no teu calo e troco teu presente. Mas não no Natal...

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

tudo tremia em tons de cinza, de alto que o grito era. de um agudo crescente, de uma insistência plena, de uma dor visível e audível. a rua se manifestava, a vida se manifestava contra o som. contrafluxo. um ponto negro central empurrava tudo para a periferia. ímas em pólos iguais. do lado de fora do som, um único ponto cego-surdo brilhava. brilhava a surdez invejável do momento. reluzia o sol que foi morrer dentro dele. e o mundo opaco, na gritaria reinante, se apagou. o som secou. seco som.

sábado, 19 de dezembro de 2009


Desgruda esse teu olho da minha nuca que me queima.
Ou arranco seus olhos pra mim e pra estante.
Pra ser vista quando bem entender.
Pra proteger minha nuca.
Minha voz
e meus gestos.

Desgruda essa tua mão da minha que me sua.
Ou arranco seus dedos pra mim e pra estante.
Pra ser tocada quando bem entender.
Pra proteger minha mão.
Minha voz
e meus passos.

Desgruda esse teu cheiro do meu nariz que me asfixia.
Ou arranco sua pele pra mim e pra estante.
Pra sentir quando bem entender.
Pra proteger meu nariz.
Minha voz
e meus amantes.


Enroscadas, balançavam. Bem no alto, escorriam enroladinhas até perto da surdez e da cegueira do caos. Mas assim, firmemente suaves. Soltas no ar, sem mãos entrelaçadas, sem olhos esbugalhados. Confiavam em ser. Elas eram, na firmeza do se saber. Se sabiam frágeis, e a estabilidade da aceitação ganhava a forma de coragem. Um sopro mais forte e uma queda certa no asfalto brilhante. Seria uma queda bonita de ser vista, dançando no ar e encarando o fim. Respeitando o momento e assumindo sua condição. Uma sinceridade triunfal. Uma placidez corajosa. Uma flor pendurada na saída do túnel.

- Registro: o "pendurado" tem me atraído de uma forma que ainda não entendi bem. Talvez a iminência da queda dura constrantando com a leveza no balançar, somados ao esticado da tensão contrastando com liberdade da soltura. O pendurado range para mim, por não se mostrar estático ainda que não balance. É o dinamismo da incerteza. É a vontade de soltar e o medo de cair. Um conflito incessante que eu interpreto como vivo. Vivo por um fio, como nós, marionetes em carne ou osso.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009


os frangalhos estão estraçalhados
se bate um vento
os frangalhos se balançam
e aos meus olhos
os frangalhos dançam
é mais fácil dançar um frangalho
que um espantalho
pregado e petrificado

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009


Serafim era uma pessoa. Ao acordar, empurrava a cortina para olhar o céu. Gostava de deixar o sol aquecendo seus olhos enquanto preparava-os para se abrir. Esticava o corpo e levantava. Beijava o espelho e escovava os dentes. Todos os dias se desafiava a inventar uma nova careta. Sempre cumpriu com o desafio. Fazia muita espuma com o sabonete durante o banho para cobrir os mamilos. Moldava novos penteados e prendia a respiração embaixo do chuveiro, para ver o máximo de segundos que aguentava. Nunca passou de 18. Dançava nu, fosse a música que fosse. Gostava de balançar o pênis de um lado para outro. Pra frente e pra trás. Na verdade, ele adorava ter um pênis. Inventava-o boneco, minhoca, amigo, et, fosse o que fosse. Vestia sua fantasia séria e ganhava a rua. E milhões de histórias surgiam. Brotavam do bueiro, caíam da árvore. Criava sinfonia entre passos, tapas nos muros e buzinas. Se equilibrava no meio fio e contava quantas folhas enfeitavam o chão. Aos poucos a fantasia séria de Serafim foi ficando surrada. Ao acordar, empurrava a cortina para olhar o céu. Gostava de saber se precisaria levar o guarda-chuva. Esticava a cama e levantava. Limpava o espelho e escovava os dentes. Todos os dias se desafiava a achar uma nova ruga. Sempre cumpriu com o desafio. Fazia muita espuma com o sabonete antiséptico para eliminar uma micose. Contava os escassos fios que da sua cabeça caíam enquanto eram lavados. Nunca menos de 18. Tomava café nu, fosse o café que fosse. Vestia sua fantasia seria e ganhava a rua. E milhões de obstáculos surgiam. Brotavam do bueiro, caíam da árvore. E aos poucos a fantasia séria de Serafim foi ficando surrada. Ao acordar, empurrava seu corpo dentro da fantasia séria. E ganhava a rua, e o sério fim de Serafim.
Serafim era uma pessoa.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009


se a lua me quisesse eu ia lá morar com ela.
era só ela me chamar que eu ia de uma vez.
levava meu travesseiro e o casaquinho-da-minha-vó só.
se um dia eu sumir pode saber que eu tô lá num daqueles buraquinhos dourados.
ia viver a vida boa da lua, ia dar bom dia e boa noite pra lua.
ia ter cor de lua, cheiro de lua. ia ser enluarada. ia ser o luar e o eu.
se ela se sentir muito sozinha então eu vou lá, nem vai precisar me chamar.
eu lá não vou me sentir sozinha. vou ver você aqui, e de lá balanço os braços pra você me ver também. vou te mandar beijos durante a noite. e no resto do tempo, eu vou ficar comigo e com ela, contando todas as cores que eu enxergar lá.
eu vou morar na lua, quando ela quiser.