quinta-feira, 30 de outubro de 2008


O sono segue suave
Assopra um som
Seduz no sopro
Eu, sumo
Sumo
Cega
Sua

ss
s
s
.

De tanto te lamber minha língua ficou áspera, rasgou tua pele macia, expôs tua carne fria, que arrepiou meus pelos e eriçou meus poros. E assim nasceu o amor.

Seu cuspe é denso, de tantas palavras agarradas na língua, emboladas nos dentes, penduradas na boca. Sua vontade é cuspir, mas esboça um engasgo. Não é assim que se faz. Se empurrar as palavras boca abaixo, elas saem apavoradas e inseguras. Temem a queda. Cair no chão duro não deve ser mole. Mas, cá pra nós, ficar nessa boca mole é que deve ser duro.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008


- Cola sua orelha na minha pra eu te escutar bem la no fundo.
- Mas Amalinha, isso n..
- Cola !!!
*plec*
- shhhhh, agora faz silêncio senão você pode ficar inibido.
- Eu não tô inibido.
- É o você de dentro !
- Ah.. Bem..
- SHHH! Posso ouvir um chiado. Espera um pouco.. Estou ouvindo melhor...
- E.. então?
- Não vai se chatear comigo ? Vou dizer o que ouvi você dizer.
- Não, eu nunca diria nada que..
- Bem, você me disse que me acha a menina mais bonita da escola.
*glupt*
- Disse ??
- E ainda disse que quer namorar comigo.
- DISSE ?!?!
- Disse e disse.
- Nananão. Meu estomaguinho anda meio exigente, só querendo hamburguer com coca-cola. E então você entendeu que eu a achava a menina mais bonita da escola. E depois alguém foi me lembrar de que faz tempos que não limpo o umbigo. E você entendeu que eu queria namorar contigo!
- Puxa, Afonsinho, então não é verdade, voc..
- Ah Amalinha, não fica triste.
*Snif*
- Minha mãe bem que me lembra, mas eu também sempre me esqueço de limpar o ouvido !


Desabotoa a blusa com um tédio penetrante. Infalível.
Nada mais existe além desses botões naqueles segundos à parte. Naqueles segundos à parte, aqueles botões também não existem para mais nada. E nada importa. Nada ocupa e nada cabe.
As paredes não vigiam, os papéis não sugerem, os livros não sussurram.
Anseia por um fim sem direção. Sem foco, só o que se consegue são rodopios. E lá se vão os rodopios se espiralando num infinito cinzento.
Horizontalizando, atinge o oco. Sente um prazer desbotado escorrer.


Sentia o rosto rubro. O coração pulava, descompassado. Nas mãos, uma testa e um lápis. Via ali, naquela cena, a nudez da ansiedade. E seria pleonástico dizer que ansiedade não tem cabeça. Valorizava cada tracinho, cada ponto. Nunca soube, desde menina, apenas iniciar as coisas. Seus inícios nunca tiveram a fluidez que as coisas iniciais têm. Sobrecarregava seus primeiros atos a tal ponto que o estalido do novo virava trovão. E sempre tivera medo de trovão, com um grande parcela de culpa destinada à sua avó. Ali, apenas com suas pedras de estimação a espreitar, iniciava o prazer de escrever.
Seu nome não era Amália, mas naquele instante sentia que nenhum outro nome nunca vestira tão bem sua imagem. Valoriza os nomes que considera forte. Amália não seria um nome forte, mas não quer força nesse momento. Quer a mesma delicadeza e sinceridade de Clara, mas sem tanta obviedade, a mesa segurança e pureza de Ana, sem tanta fragilidade. Quer Amália, que pisa firme e direciona o olhar apenas para o que vê. E, acima de tudo, ama. Amá-lo-ia, Amá-la-ia, Amália.