quinta-feira, 3 de dezembro de 2009


Serafim era uma pessoa. Ao acordar, empurrava a cortina para olhar o céu. Gostava de deixar o sol aquecendo seus olhos enquanto preparava-os para se abrir. Esticava o corpo e levantava. Beijava o espelho e escovava os dentes. Todos os dias se desafiava a inventar uma nova careta. Sempre cumpriu com o desafio. Fazia muita espuma com o sabonete durante o banho para cobrir os mamilos. Moldava novos penteados e prendia a respiração embaixo do chuveiro, para ver o máximo de segundos que aguentava. Nunca passou de 18. Dançava nu, fosse a música que fosse. Gostava de balançar o pênis de um lado para outro. Pra frente e pra trás. Na verdade, ele adorava ter um pênis. Inventava-o boneco, minhoca, amigo, et, fosse o que fosse. Vestia sua fantasia séria e ganhava a rua. E milhões de histórias surgiam. Brotavam do bueiro, caíam da árvore. Criava sinfonia entre passos, tapas nos muros e buzinas. Se equilibrava no meio fio e contava quantas folhas enfeitavam o chão. Aos poucos a fantasia séria de Serafim foi ficando surrada. Ao acordar, empurrava a cortina para olhar o céu. Gostava de saber se precisaria levar o guarda-chuva. Esticava a cama e levantava. Limpava o espelho e escovava os dentes. Todos os dias se desafiava a achar uma nova ruga. Sempre cumpriu com o desafio. Fazia muita espuma com o sabonete antiséptico para eliminar uma micose. Contava os escassos fios que da sua cabeça caíam enquanto eram lavados. Nunca menos de 18. Tomava café nu, fosse o café que fosse. Vestia sua fantasia seria e ganhava a rua. E milhões de obstáculos surgiam. Brotavam do bueiro, caíam da árvore. E aos poucos a fantasia séria de Serafim foi ficando surrada. Ao acordar, empurrava seu corpo dentro da fantasia séria. E ganhava a rua, e o sério fim de Serafim.
Serafim era uma pessoa.

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