segunda-feira, 15 de dezembro de 2008


E lá estava eu, num dia esmaecido, daqueles cor de burro. Segurando um braço, amparando uma mão, empurrando um cigarro para uma boca vazia de palavras sem sal. Tudo sem cheiro e sem gás, e eu seria incapaz de descrever aquela cena, já que a cena não era aquela. Tudo se guardava em um ponto até então cego para mim. Nada daquilo podia fazer sentido, porque todo o sentido estava voltado lá para baixo, lá para a única cena do momento. E agora eu sou capaz de descrever fielmente, porque a cena era, absolutamente apenas aquela. Alguma coisa aconteceu e eu não sei bem o que foi. Mas o mundo parou pra contemplar o balanço do homem que vinha cansado, carregando uma sacola pesada. Pendia pro lado, grave, se sacudia conforme a música. Caminhava sozinho, mas todos os olhos eram dele. Estava implícito no ar o respeito daquele momento. Tudo que existia parecia reverenciar o deus da sacola de pedras. Até as nuvens me pareceram mais bem penteadas e uma meia dúzia de passarinhos bem mais afinados que de costume. O vento só ventava para ver dançar os poucos fios que o homem guardava na cabeça. E ele seguia numa simplicidade de dar pena. Aqueles segundos todos pertenciam a ele, mas ele, o protagonista, não sabia ! E eu quis gritar: "Moço, faça o que quiser, o mundo é seu exatamente agora! Aproveite!". E o grito ficou engasgado na minha garganta. Eu podia estragar toda aquela beleza de uma forma tão brusca, e pior, sem querer. E fui tomada por um sentimento estranho, de culpa ou de medo, sentimento de vácuo. O homem colocou a sacola no chão. Passou um carro. Acabou a música. E acabou a cena. Eu aplaudi, pra dentro, mas aplaudi. Qualquer interferência no final daquela cena tão delicada poderia estragar sua morte. E assim como ela veio, ela se foi. Tão sincera e tão marcante. Foram apenas segundos, mas eu posso garantir que a existência daquele homem já valeu a pena por esses pequenos segundos. Não devem ser todas as pessoas que conseguem um momento assim. E ele, sem saber, conseguiu.

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