sábado, 15 de agosto de 2009


a minha pequena se agarrou num fio de tempo e balança como num pêndulo; o que vejo hoje é sua silhueta transpassando o tempo que vem e o tempo que foi. seu balanço mole segue descompassado para frente e para trás, e se não me atino me bate o pêndulo no meio da testa. minha pequenininha, o pouco que te vejo brilha. me sufoca a garganta o te lembrar e me permito escorrer minha saudade ácida rumo ao chão. me conforta a saudade que invento, dos teus olhos que não vi. fico seca pelos olhos vivos e peço que continue balançando. sua não vida me encravou, mas sua vida me aniquila. me deixa crescer, que a pequena sou eu. você é um estardalhaço, estribilho e estilhaço.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

do livro As coisas, Arnaldo Antunes



Para passar de um lugar a outro existem as portas. Em geral são de madeira, mas às vezes não. De ferro em geral são os portões, mas às vezes de madeira. Portões de madeira chamam-se porteiras. Para sair de um lugar entrando em outro, como nos partos, as portas existem. As moscas pousam nelas. Os meios de transporte chegam ou vão embora. As portas são meios de transporte que ficam no mesmo lugar. Em geral brancas, como as paredes geralmente. Movem-se mas ficam no mesmo lugar, como o mar. As moscas pousam nelas. As paredes ficam paradas. Aranhas fazem teias nelas. Não nas portas, que têm dois lados; nas paredes, que só têm um lado, ou outro. Os olhos pousam nelas.

De Caroline Pires

Impávida

Atrás da minha íris tem alta tensão, fio desencapado, arame farpado, céu descoberto.


Atrás , na minha nuca, tem arrepio, tem desafio e nenhuma tatuagem pra mostrar caminho.

De frente, há quase nada e o sempre, é nunca.