quarta-feira, 21 de julho de 2010




Algumas aves não voam;
Alguns pelos encravam;
Alguns ovos quebram;
Alguns dentes não nascem;
Alguns cravos inflamam;

É como um véu que embaça o mundo dos alguns. Alguma coisa destoa e o torna algo incomum, algum.

O véu da noiva que cobre o rosto virgem prestes a não ser.
O véu do berço que protege o bebê.
O véu da viúva que esconde os olhos de solidão.
O véu do prédio em construção.
O véu da cortina que filtra a luz.
O véu veio ao que não expus.

quarta-feira, 14 de julho de 2010



Sua pele é a casca da tangerina, tem o cheiro do visco de um bicho que não sei qual. Sua mão tem a languidez e o suor dos fracos, que se espalha suplicante. Sua lingua tem o gosto do café passado, carregando o anteontem frio na boca. Sua voz tem o tremor do pingo na água, que não sabe se vai ou se fica. Seu cheiro tem o azedo das frutas que não se deixam cair. Seu tempo é passado a ferro. Eu bem conheço tudo o seu, ou assim penso. Eu sumo no mundo que acredito ser seu. Reviro cascas atrás da sua, cheiro bichos pra achar o seu, rumino o tempo pra te sentir por perto. Todo o seu gosto a amargar na boca, que não me apresso a engolir. O teu veneno me extasia, e a minha ânsia é por inventar outra fonte, que não a sua, que não letal.
Praquele que é o rei do indizível, nada tenho a dizer.

domingo, 11 de julho de 2010


A gente mora junto. Mas eu só vejo o azulejo, ele só vê o rejunte. Eu só vejo a porta, ele só vê a fechadura. Eu só vejo a cama, ele só vê o lençol. Eu só vejo paredes, ele só vê tinta. Eu só vejo tapete, ele só vê ácaros. A gente mora junto, mas em lugares bem diferentes. Eu só, e ele só vê. Eu só, e ele só, vê. Só a sós.

Estou sempre buscando alguma forma de beleza. Acho que é uma busca eterna, nunca um achado final. O belo pode ser inesgotável, se você continuar se lapidando. Eu não acredito num padrão de beleza capaz de atrair a todos. Cada um vibra de uma determinada forma, e acaba se atraindo por determinadas expressões, gestos, movimentos, cores, sons... Acredito numa harmonia capaz de não agredir a maioria.
O belo sem pompas me comove. Puramente belo, é a beleza inata do ser. Me soa como algo virginal, casual, um acaso da vida. Quase um despropósito. É a naturalidade de existir, isso é que é bonito. Ou melhor, isso é que norteia minha busca pelo belo. Belo bruto.